14 de fevereiro de 2012

A Deusa do Amor


No princípio dos tempos, um grande estrondo despertou o mundo que apenas se começou a formar. Era o incessante bater das gigantescas ondas que saíam da abismal profundidade do imenso mar Oceano, que se agitavam e avançavam implacáveis até chocarem contra as rochas dos escarpados, de onde se batiam e troavam. A Terra retumbava na obscuridade da noite, pois os astros do Céu não a iluminavam e o reino das sombras estendia-se por todo o Universo para enchê-la de desolação.

Mas, subitamente, dentre as revoltas águas do Maré Nostrum surgiu uma montanha de espuma prateada e brilhante, tão suave e etérea como os copos de neve, como as nuvens de algodão... A rosa dos ventos abriu as suas pétalas e, nesse momento,  desde os quatro pontos cardeais soprou uma brisa cortante que dispersou a borbulhante   espuma, a arrastou tal qual as insignificantes lanugens, deixando a descoberto a formosa figura da deusa Afrodite, a Vénus do mar, com o seu esbelto corpo desnudo e resplandecente, e reluzente como a alva do primeiro dia do mundo.

Nascida da espuma das ondas, nenhuma criatura, nem divina nem mortal, igualará em beleza a deusa Vénus... A luz e a claridade abrem caminho, cessa o ruído estrondoso, a paz e o silêncio estendem-se pela Terra... O mito da formosura do amor e da sedução inicia o seu percurso.


A deusa Vénus encarna a beleza sensitiva e espiritual do amor, uma vez que a sua origem provém dos elementos naturais: a água do profundo mar oceano, o ar dos ventos de todas as latitudes e o invisível fogo que ilumina a grandiosa claridade do primeiro dia do mundo.

De acordo com a mitologia, Afrodite nasceu na ilha de Chipre. Filha de Zeus (deus dos deuses) e Dione (deusa das ninfas), casou-se com Hefesto ou Vulcano (deus do fogo).

Céfiro, o vento que soprava desde o Oeste e que dispersava pétalas de rosas e flores por todo o Universo, o filho da Aurora matinal que saia cada manhã para anunciar um novo dia, translada rapidamente a formosa Vénus até a ilha de Chipre, onde as donzelas que personificavam as quatro estações  a recolheram e transportaram para a morada dos deuses, o Olimpo.

Não obstante da sua formosura, a deusa Vénus tomou por esposo Vulcano, o ferreiro Hefesto, descrito como um deus de aspecto pouco agraciado, inclusive tinha algum defeito físico que afetava ainda mais a sua figura.

Porém, Vulcano era o deus do fogo e na sua frágua – escavada nas entranhas das rochas do monte Etna, acesa e ativa, ardia dia e noite - não só forjava os carros, escudos, couraças, flechas e espadas dos heróis, o cetro de Zeus, o tridente de Netuno e a diadema de ouro e rubis de Ariadne, como também as mais vistosas joias, engastando-lhes as pedras mais valiosas, para que as deusas as usassem quando assistiam as celebrações e banquetes. Também foi ali onde se fundiram os metais preciosos utilizados para conseguir a secreta liga com que se fabricou o sólido cofre preparado para encerrar no seu interior todos os males....porém também a esperança.


Jardim de Adônis

As joias mais vistosas que Vulcano criava na sua frágua eram para a sua esposa, a deusa Vénus. Desta forma, a sua formosura ressaltava ainda mais sobre todas as demais divindades. A divinal Vénus não recusava um presente algum do seu esposo, mas passava longos dias na companhia do jovem efebo Adônis - filho da relação incestuosa de uma donzela chamada Mirra com o seu próprio pai -, por quem estava apaixonada.

Todos os anos, no solstício da primavera quando a terra se enchia de luz e vida, a deusa Vénus, cobria o seu corpo apenas com um vestido de gaza e seda transparente, saía para correr no campo e sentava-se no alto de uma colina perto do mar para esperar o seu amado Adônis, que vinha de passar o inverno no sombrio mundo subterrâneo do reino de Hades.

O mito narra que Marte, deus da guerra, era amante de Vénus e sentia ciúmes de Adônis, pelo que, após segui-lo quando caminhava pelo bosque, soltou contra ele um feroz javali que esquartejou com as suas presas o rapaz.

Desconsolada, a formosa Vénus chorou com grande sentimento a morte de Adônis e as suas lágrimas, ao cairem na terra e misturarem-se com o sangue do seu amado, criaram uma flor branca que brilhava como uma estrela e desabrochou da terra. A deusa chamou “anémona dos bosques” a essa flor tão delicacia e, desde então, até aos tempos actuais, quando chega a primavera, a colina do monte Líbano, no local onde Vénus esperava o seu amado, cobre-se com um espesso manto de ervas silvestres e de flores cheirosas: é o Jardim de Adônis...onde cresce a árvore da mirra.

A Rede de Vulcano

Tanto os heróis imortais, como os deuses, se sentiam extremamente atraídos pelos encantos da formosa e sedutora deusa. Mas, de entre os deuses, quem se encontrava continuamente com Vénus era Marte, o impetuoso deus da guerra.

No leito do seu palácio de Trácia, Marte encontrava-se com Vénus sempre que se apresentava a ocasião, pelo que a infidelidade da deusa não tardou a ser descoberta pelo esposo, o ferreiro Vulcano, que, não podendo suportar tamanha ofensa e semelhante desonra, traçou um plano para surpreender os amantes.

Narra Ovídio, na sua obra “Metamorfoses”, que foi o Sol quem descobriu os amores de Vénus e Marte, e que informou a Vulcano, que, ao conhecer a infidelidade da sua esposa e a traição do deus Marte, se sentiu tão ultrajado e doido que idealizou um ardil, uma espécie de rede presa com correntes, para agarrar e castigar os dois adúlteros.

Assim, Vulcano começou por fabricar um artístico dossel para o leito da sua esposa, sustentado por quatro pilares de ouro cinzelado, coberto e adornado com cortinado de veludo. Esta obra agradou muito a Vénus que, como prova disto, se deitou com o seu esposo e o encheu de felicidade durante toda uma noite de amor, fazendo com que o deus do fogo quase desistesse de seguir com o seu propósito.

Mas, passados os primeiros instantes, Vulcano prometeu a si mesmo pôr em prática a segunda parte do plano e, sem mais demora, fabricou uma rede irrompível e sólida, de malha de bronze, fixando-a sobre os extremos dos dosséis do leito, cobrindo-a com cortinados de veludo. Tudo estava preparado e pronto: o peso de mais um corpo sobre a cama faria com que a rede se desprendesse e caísse.

Assim, certo dia, Vulcano comunicou à formosa Vénus que ficaria ausente durante várias jornadas, já que tinha que realizar com urgência uma viagem à ilha de Lemnos. Tal como Vulcano supunha, a sua astuta esposa fingiu um pretexto para não o acompanhar e logo que o deus do fogo se ausentou, Vénus enviou um recado ao seu amante, pedindo que viesse a reunir-se com ela.

Como recém-namorados, Marte e Vénus estavam desnudos no leito, abstraídos com os seus jogos amorosos que não repararam na armadilha, até que, de imprevisto, uma pesada rede metálica caiu em cima deles prendendo-os.

Então, apareceu diante deles Vulcano que, no instante, mandou um mensageiro até o monte do Olimpo para que todos os deuses viessem e comprovassem não só a infidelidade de Vénus mas, também, o impudor e voluptuosidade do deus Marte.


A Súplica dos Amantes

Marte, o deus da guerra, estava dotado de grande poder e fortaleza mas, por mais que tentasse, não foi capaz de partir ou dobrar o metal de bronze de Vulcano.

Vénus e Marte não cessavam de suplicar a Vulcano que os soltassem. Mas, na presença de Zeus, o Deus Rei do Olimpo, que tinha acudido prontamente ao chamada do ferreiro dos deuses e que contemplava a cena em companhia de Neptuno, Mercúrio, Baco e outras deidades, o deus do fogo fez-los jurar que antes tinham ambos de lhe devolver a honra. A sua esposa, em particular, devia restituir-lhe todos os presentes que tinha ganho durante o tempo em que viveram juntos, assim como o montante do dote do casamento.

Neptuno, o deus das águas, argumentou que devia ser Marte quem devia pagar o dinheiro do dote de Vénus, uma vez que foi ele quem tem coabitado com Vénus e degustado o mel do formoso corpo da deusa durante muitas noites, mais do que podemos imaginar.

Enquanto falava, Neptuno batia com o seu tridente na rede metálica, fabricada por Vulcano, que mantinha presos os dois amantes. Mas, dado que Vulcano estava muito apaixonado pela sua bela esposa, o episódio acaba com o perdão, a paz e de novo o mútuo entendimento de ambos, a deusa do amor e o deus do fogo.

Marte, o deus da guerra, uma vez libertado da rede de bronze que lhe aprisionava, partiu para seu palácio de Trácia e não voltou a ver a deusa Vénus.

As representações e a iconografia da deusa Vénus ou de Afrodite, são muito ricas e variadas. Ao longo dos tempos numerosos artistas, além dos antigos gregos e romanos, a têm tomado como modelo para a realização dos seus trabalhos. E tem sido, a deusa do amor, uma fonte inesgotável de inspiração para os seus quadros, esculturas e outras obras estéticas. Vénus inspirará paixões na arte, na literatura, na música, no teatro... Inclusive os imperadores romanos invocavam o nome da deusa da beleza para incutir valor aos seus soldados antes da batalha: “Vénus Victrix”, Vénus Vitoriosa.

Principais filhos de Afrodite: 

- Com Hermes (deus mensageiro) teve o filho Hermafrodito.
- Com Marte (deus da guerra) teve os filhos Eros (deus da paixão e do amor) e Anteros (deus da ordem).
- Com Apolo (deus da luz, da cura e das doenças) teve o filho Himeneu (deus do casamento).
- Com Dionísio (deus do prazer, das festas e do vinho) teve o filho Príapo (deus da fertilidade).